TRANS

2014

 

Vídeo

TRANS é um experimento do desejo como potência e matéria bruta de rupturas e transgressões. A carne informe do desejo é como um golem revoltoso – criatura monstruosa moldada do barro e dotada de forças elementares. Apesar de ter sido criada à imagem e semelhança de um ser humano, não possui alma nem voz.  Além de inspirar-se neste mito hebraico, TRANS também deglute o mito grego Prometeu e Doutor Frankenstein (personagem atormentado e rebelde do romance de Mary Shelley) que são representações de crise existenciais. Tematiza, de forma tragicômica, o conflito entre poder divino e sujeição humana, desejo de transgredir valores e mandamentos, desejo de transformação e ruptura com o establishment. As composições musicais que integram a trilha sonoras são obras ousadas e iconoclastas de artistas inquietos conhecidos por seu questionamento de códigos estéticos e sociais vigentes.

Giacinto ScelsiConde de Ayala Valva, (1905 —1988) compositor italiano contemporâneo, que também escreveu poesia surrealista em francês. Revolucionou o papel do som na música ocidental com obras marcadas por uma suprema concentração de notas repetidas, combinadas com um grande senso de forma. Considerado um músico “de outro planeta” , adepto da vida reclusa, trabalhava com base na improvisação.  

 

 

Dmitri Shostakovich (1906 – 1975) russo e um dos mais célebres compositores do século XX. Teve uma complexa e difícil relação com a burocracia stalinista. Sua música foi oficialmente denunciada duas vezes, em 1936 e 1948 sendo periodicamente censurada. Suas sinfonias tinham apelo popular e eram bem recebidas pelo público em geral. E apesar de causar muita controvérsia nos círculos de poder da União Soviética, ele recebeu alguns prêmios e condecorações estatais.

Iggy Pop, nome artístico de James Newell Osterberg (21 de abril de 1947). Norteamericano, músico de rock, além de ator ocasional. Em 1969, torna-se vocalista da banda protopunk The Stooges. Consagrou-se precursor do punk e dostate diving (mergulhos na platéia) com suas apresentações anárquicas e violentas. Ao fim da banda, Iggy Pop partiu para carreira solo. Em 1977, com produção de David Bowie gravou seus dois primeiros álbuns solo: The Idiot, e Lust for Life. Atualmente, além de sua carreira solo, é âncora de show de radio na BBC de Londres com sua verve irreverente e crítica.  

_________________________________________________________________________________

Ficha Técnica de TRANS

Concepção, direção, figurino, trilha sonora e presença cênica| Maura Baiocchi

Músicas | Scelci, Shostakovich, Iggy Pop

Iluminação | Eduardo Alves

Direção Técnica | Wolfgang Pannek

Arte Gráfica | Hiro Okita

Fotos | Caroline Moraes | 7×7 e Paula Alves

Produção | Wolfgang Pannek e Alda Maria Abreu

 

Trajetória de TRANS em 2014 

Abril | São Petersburgo – Museu Freud dos Sonhos, por ocasião do Colóquio Internacional “Actualités de Frankenstein: figure du monstre dans notre société contemporaine” organizado pela Universidade de São Petersburgo e pelo Centro de Pesquisa em Psicanálise da Universidade Paris Diderot.

Abril | Paris – Théâtre de L’aire Falguiere. Organização de Nourit Masson-Sékiné.

Maio | Bruxelas – Brussels Art Melting Pot. Organização de Rodrigo Marco del Pont.

Setembro | São Paulo – Sala Paissandu da Galeria Olido. no contexto da Mostra do Fomento à Dança.

Novembro | Buenos Aires – Universidade Nacional de Artes (UNA). No contexto do 1o Congresso Internacional de Artes.

Dezembro | São Paulo – Teatro Anexo da Oficina Cultural Oswald de Andrade.

 

TRANS-GOLEM NO MOVIMENTO DE MAURA BAIOCCHI

                  por Viktor Mazin, diretor do Museu Freud dos Sonhos, São Petersburg/Russia

1. DESGRAMATICALIZAÇÃO E ACOREOGRAFIA
A dança de Maura Baiocchi é imprevisível. Os seus movimentos não seguem a priori nenhuma contagem. A sua gramática nunca se enquadra numa escritura coreográfica reconhecível. Volta e meia, os seus movimentos não se coadunam, subitamente cessam, transformam-se em outra coisa. A coreografia de Maura Baiocchi não é passível de ser traduzida para nenhuma linguagem concreta da dança e não chega a nenhuma forma acabada. Pode-se dizer que não se trata de uma linguagem nem de uma escritura, tampouco de uma coreografia, e sim do que Jacques Lacan chamou de lalangue (“lalíngua”).
A economia de movimentos de Maura é a tradução da figura do Golem em estado de transformação, uma figura que, reiteradamente, não encontra forma. O Golem é o que não se deixa capturar por uma forma.
Aqui é que a monstruosidade cria raízes. Ela se encontra numa forma inabarcável, numa letra sem fixação, numa sintaxe em desordem. É uma coreografia de transformações fora do controle de qualquer gramática, que se metamorfoseia num transe acoreográfico.
A forma não se consolida. O Golem sem forma não pode ser identificado, sujeitado ou controlado. Quem quer que seja o seu criador, ele permanecerá para sempre um não nascido, um transformador do nascimento.

2. RETRAÇANDO TRIÂNGULOS
Quem cria é aquilo que dança? Quem dança aquilo que dança? Golem conduz Maura ou Maura conduz Golem? Golem não possui Golem, assim como Maura não possui Maura.
E, de modo geral, a Maura de Golem e o Golem de Maura não dançam aqui, não só aqui, nesta passagem genérica, na vereda estreita do Museu dos Sonhos de Freud. A acoreografia desdobra-se paralelamente em dois triângulos abstratos, cujas formas vez por outra ficam sujeitas à desagregação, como preconiza o mandala imaginário.
Maura-Golem traça com a trajetória do seu movimento um triângulo invisível: Letra – Verdade – Morte. O Golem ganha vida com a palavra “verdade” (emet). Mas basta apagar uma letra dessa palavra, Aleph, e surge a “morte” (met). A configuração Letra – Verdade – Morte nunca se completa, porque se converte em outro triângulo: Letra – Verdade – Desejo. Tudo está no limiar. No limiar entre a vida e a morte. Transe.
Se quiséssemos narrar tudo numa sequência lógica, o nosso ponto de partida seria, é claro, a aparição de Maura na vereda genérica dos sonhos, que acompanhava o seu interesse em relação ao entorno. O seu Golem como que reconhecia os outros, brincava com eles, sentava-se nos colos, dividia uma maçã. Pode-se dizer que o Golem-Maura ao mesmo tempo seduzia e domava. Mas de repente tudo mudou. Como se num piscar de olhos uma nuvem de chumbo fechasse um céu ensolarado e lançasse à terra coriscos estridentes e incandescentes. Terrível.

3. O TERRÍVEL DESPERTAR DO DESEJO
Terrível – na fronteira entre o artificial e o natural. Terrível – na compreensão nebulosa de que essa fronteira é móvel. Terrível pelo fato de serem indistinguíveis o artificial e o natural. E o Golem – criatura feita de argila, de matéria inanimada, ganha vida com a ajuda da técnica, de um conhecimento secreto, artificial, contido na letra. A letra, lembra Lacan, inspira.
Mas a letra pode estar morta. Pode ser incontrolável, porque ela não conhece as outras letras, a existência das outras. Ruptura. Aqui não há plateia. A acoreografia cerra-se sobre si mesma, sobre a sua própria letra, sobre a letra morta. A dança do Golem de Maura é a dança de uma letra morta.
A letra morta perpassa como cãibra a matéria-prima crua do real. O Aleph dança por si mesmo. A primeira letra novamente volta do real. O transe de Maura Baiocchi deslocou os céus sobre a vereda dos sonhos.

(Tradução do russo de Vadim Nikitin, agosto de 2014)

———————————————————————————————————

TRANS-GOLEM IN THE OF MAURA BAIOCCHI

By Viktor Mazin, director of the Freud Museum o Dreams, St. Petersburg/Russia.

Article about TRANS performed by Maura Baiocchi on April 23, 2014 at the colloquium “Actualities of Frankenstein: the figure of the monster figure in contemporary society” organized by the University of St. Petersburg and the  Research Centre of Psychoanalysis at University Paris Diderot.  Translation: Wolfgang Pannek

1.     DESGRAMMATICALIZATION AND NON-COREOGRAPHY 

The dancing of Maura Baiocchi is unpredictable. Her movements do not follow a priori any score. Its grammar never fits into a recognizable choreographic scripture. Time and again, her movements lose coherence, they suddenly cease, become something else. The choreography by Maura Baiocchi cannot be translated into any concrete language of dance and does not reach any final form. You could say that it is not a language nor a scripture, neither a choreography, but what Jacques Lacan called “lalangue”.

The economy of Maura’s movements is the translation of the figure of the Golem in a state of transformation, a figure which, repeatedly, finds no form. The Golem is that what does not allow to be captured by a form. .

This is where monstrosity creates roots. It is finds itself in an unfathomable form, in a letter without fixation, a syntax in disarray. It is a choreography of transformations, beyond the control of any grammar, which metamorphoses in an non-coreographic trance.

The form does not consolidate. The formless Golem cannot be identified, subjected or controlled. No matter who might be his creator, he will forever remain a non-born, a transformer of birth.

2. RETRACING TRIANGLES

Who creates that what dances? Who dances that what dances? Golem conducts Maura or Maura conducts Golem? Golem does not possess Golem as well as Maura does not possess Maura.

And, in general, Maura of the Golem and the Golem of Maura do not dance here, not only here, in this generic passage, the narrow path of the Freud Museum of Dreams. The non-coreography unfolds in two parallel abstract triangles, whose forms are occasionally subject to disaggregation, as professed by the imaginary mandala.

Maura-Golem traces trough the trajectory of her movement an invisible triangle: Letter – Truth – Death. The Golem comes to life by the word “truth” (emet). But it suffices to erase one letter of that word, Aleph, and “death” (meth) arises. The set Letter – Truth – Death is never completed, because it converts into another triangle: Letter – Truth – Desire. Everything is on the threshold. The threshold between life and death. Trance.

If we wanted to narrate everything in a logical sequence, our starting point would be, of course, the appearance of Maura in the generic path of dreams which accompanied her interest related to the surroundings. Her Golem seemed to recognize the others, he played with them, sat on their legs, shared an apple. You could say that Golem-Maura simultaneously seduced and tamed. But suddenly everything changed. As if in the blink of an eye a cloud of plumb closed a sunny sky throwing strident and incandescent. thunderbolts to the Earth. Terrible.

3. THE TERRIBLE AWAKENING OF DESIRE

Terrible – the frontier between the artificial and the natural. Terrible – the nebulous understanding that this frontier is mobile. Terrible because the artificial and the natural are indistinguishable. And the Golem – a creature made of clay, of inanimate matter, comes to life with the help of the technique of a secret knowledge, artificial, contained in the letter. The letter, Lacan reminds, inspires.

But the letter may be dead. It may uncontrollable, because it does not know other letters, the existence of the others. Disruption. Here there is no audience. The non-coreography closes up on itself, on its own letter, on the dead letter. The dance of the Golem of Maura is the dance of a dead letter.

The dead letter pervades like a cramp the crude prime matter of the real. The Aleph dances through itself. The first letter returns again from the real.  The trance of Maura Baiocchi shifted the skies over the path of dreams.

Comment by director and actor Rodrigo Marcó del Pont:

“I saw the performance in Paris with Daniel, we were amazed!!! It was very good, touching, very strong the work of Maura: impressing, everything, unforgettable!!! The audiencence’s reaction was very good, very attentive. And at the end a super-applause, long and warm.”