TAANTEATRO – Rito de passagem

TAANTEATRO: Rito de passagem
Wolfgang Pannek e Maura Baiocchi 
Editora:Transcultura,  2011, São Paulo.
ISBN: 978-85-64246-00-3
Nº páginas: 144
Preço: R$ 39,90
Com Taanteatro: rito de passagem, Wolfgang Pannek e Maura Baiocchi apresentam um processo de criação dramatúrgica inovador, com forte apelo corporal, metafórico e conceitual. Amplamente ilustrado, o livro complementa as dimensões conceituais expostas pelos mesmos autores em Taanteatro: teatro coreográfico de tensões.
TENSÕES EXTREMAS NO TAANTEATRO

Entrevista de Celso Araujo (brasiliagenda) com Wolfgang Pannek – 28/02/2011

Se procurarmos com muita atenção, em bibliotecas e livrarias, vamos encontrar poucos livros que falem dos métodos de interpretação no teatro, suas escolas, períodos, gêneros, em especial aqueles métodos advindos da experiência brasileira. Um sensível trabalho que apresenta e registra uma dessas vertentes acaba de ser lançado: Rito de Passagem, de Wolfgang Pannek e Maura Baiocchi, pela editora Transcultura.

Rito de Passagem é especialmente um trabalho conduzido por Wolfgang Pannek, co-diretor com Maura Baiocchi do Taanteatro, companhia de técnicas, espetáculos, invenções e coisas muito belas e radicais no novo teatro que se faz no Brasil.
Pannek está no Brasil desde 1992. Participou de diversos espetáculos, inclusive no Oficina.Tradutor, ator e diretor, ele faz atualmente o magister artium pela Universidade de Hagen, Alemanha. E acaba de sair da experiência ousada do Rito de Passagem, viagem que pode ser compreendida passo a passo nas 144 páginas de um livro rico em depoimentos, dos integrantes da experiência, imagens e sugestões polêmicas sobre o mundo do teatro e da performance nos dias de hoje. Em entrevista exclusiva, Wolgang nos fala da intensa e diversificada passagem que produziu com seus atores. O livro (lançamento dia 17 de março em SP) é, sem dúvida, bom para atores, performers, diretores e também parte do púbilco que aprecia a experiência do drama em carne viva.
Como se deu seu encontro com Maura Baiocchi. Você já fazia, via ou acompanhava o teatro em sua cidade, na Alemanha?

Conheci a Maura Baiocchi em 1992 por ocasião de sua participação no Festival Internacional de Butoh e Artes Relacionadas em Bremen/Alemanha. Na época, trabalhei como editor de artes cênicas da revista Bremer e atuava no chamado teatro independente como autor, diretor e ator. O diretor gráfico da revista escolheu a foto da Maura como capa de minha matéria sobre o festival, achando-a mais bonita do que as imagens de Kazuo Ohno e Carlotta Ikeda, as estrelas do evento. Encontrei com a Maura após a apresentação de seu espetáculo Frida Kahlo – uma mulher de pedra dá luz à noite. Gostei do espetáculo e gostei dela. Uma semana depois, antes de sua partida, lhe comuniquei meu desejo de reencontrá-la no Brasil. Ela concordou. Desde então se passaram mais de 18 anos. Ingressei na Taanteatro Companhia em 1992, primeiro como assistente de direção, a seguir como performer e diretor. Desde 1994 sou co-diretor da Taanteatro.
Em que momento as experiências somadas passam a gerar o que depois é denominado de Taanteatro. E o que vem a ser no conceito e na prática o Taanteatro?

Minha contribuição à companhia, ao lado da atividade como diretor, performer, professor e produtor, consistiu na proposta de certas referências temáticas. Fruto disso são nossos espetáculos relacionados a Artaud, Lautréamont, Tabori, Beckett e Nietzsche. Além disso, contribuí com o desenvolvimento conceitual do trabalho condensado em 2007 no livro Taanteatro – teatro coreográfico de tensões. Mas os princípios e as práticas básicas do taanteatro foram desenvolvidos por Maura Baiocchi entre 1988 e 1992. É partir de 1991 que a palavra “taan”, que vem do sânscrito e significa tensão ou dança, aparece na denominação do Núcleo Taantécnica Butoh. Ao meu ver, o taanteatro procura integrar as seguintes experiências e concepções em sua prática cênica: a multiplicidade fenomenal que compõe o mundo, e por conseqüência o teatro, é um conjunto de interrelacões energéticas em constante transformação. Chamamos essas relações de tensões. As tensões relacionam e atravessam os corpos, as formas e as forças da cena. Cabe ao diretor e ao performer interagir com a polifonia dessa rede tensiva da qual ele faz parte. O acontecimento cênico é comunicativo e se realiza entre essas formas e formas. Por ocorrer no jogo de tensões entre corpos e coisas, o acontecimento cênico descentraliza o ser humano, a cena deixa de ser antropocêntrica e dá lugar a ao corpo pentamuscular (ou da ecorporalidade), isto é, ao corpo como extensão do mundo e vice-versa.
O que acha dos métodos de preparação do ator em geral, ensinado em faculdades, cursos avulsos ou mesmo internamente nas companhias e grupos brasileiros?

A criação e aplicação de um método prático—teórico demanda mais do que uma colagem de exercícios mais ou menos úteis. Nos últimos quinze anos, ocorreu no Brasil uma proliferação de ofertas, motivada em parte pela vitalidade da cena teatral e pela necessidade de fazer dinheiro. Conheço essas práticas somente em parte, através de relatos de alunos e por meio de seus resultados práticos. Ao meu ver, os melhores trabalhos de preparação vêm dos grupos que consolidam o trabalho de preparação dentro de um projeto estético específico.
O trabalho corporal das universidades me parece deficiente. Existe também um problema de integração entre teoria e prática teatral. Muitos estudantes gostam de falar longamente sobre o corpo-sem–órgãos, mas têm grandes dificuldades com exercícios rítmicos elementares. Aparentemente, nas universidades cada professor segue sua própria linha de ação, a não ser que haja vínculos ideológicos ou interesses extrauniversitários entre alguns deles. Isso leva simultaneamente à diversidade e à pulverização do aprendizado. Tenho a impressão que deveria haver mais cooperação e coordenação entre os docentes e uma definição maior do objetivo global do ensino.
A experiência do Rito de Passagem, agora publicada em livro, parte de que princípios do Taanteatro? O que é preciso para ser um iniciado nesse Rito?

No rito de passagem, conforme desenvolvido pela Taanteatro, o performer se experiencia de múltiplas maneiras: como autor e protogonista de uma dramaturgia para-teatral que envolve um grande número de participantes, seus colegas. A autoria demanda a definição de todos os aspectos do rito, da transformação pretendida até os detalhes estéticos do trabalho. O rito de passagem ativa elementos que consideramos importantes para uma obra artística e seu compartilhamento com o público. O livro mostra em detalhe as fases desse processo e principalmente como utilizamos o rito de passagem para a criação dramatúrgica coletiva que resultou em 2010 no espetáculo Rit.U. Antes da realização dos ritos propriamente ditos.Uma próxima publicação se destinará à “Desconstrução de performance”.
Os depoimentos dos participantes do Rito de Passagem estão muito bem documentada nos textos dos atores-dançarinos-participantes. O Rito tem continuidade, terá, dentro dos novos espaços a serem abertos pelo Taanteatro?

Documentamos os depoimentos dos participantes por acreditar que certas experiências seriam melhor transmitidas por quem efetivamente as tivesse vivenciado, nesse caso por pessoas sensíveis e inteligentes, capazes de lançar luzes sobre certos detalhes mas também através de análises que relacionam sua experiências com outros contextos e leituras filosóficas.
O Rito de Passagem, nesse primeiro movimento dirigido por você, pode também ser aplicado em outras cidades? Pode, por exemplo, ser vivido nas pequenas cidades ou no campo?

Uma primeira tentativa de realizar esse processo foi feita com estudantes da UnB em 2009 sob direção de Maura Baiocchi. O resultado foi apresentado no Cometas Cena.
Não existe limite geográfico ou cultural para a aplicação e modificação desse processo porque ele se refere a uma dimensão simultaneamente atávica e criativa de qualquer ser humano, independentemente de sua origem e formação cultural.
Para você, o que é importante no ator para que ele ganhe autonomia e voe com suas próprias asas?

É um tema complexo. Aponto alguns aspectos. O ator não deve querer agradar, nem impressionar. São atitudes de sujeição, manipulação e de reafirmação do mesmo que ferem sua soberania e reduzem de antemão as dimensões de qualquer processo comunicativo. A entrega do ator a um tipo de treinamento, a uma técnica ou uma estética, não deve se tornar uma ideologia. Cada técnica e cada estilo têm limites, inclusive na captação da realidade. Quando a técnica se sobrepõe de forma vaidosa sobre o ato comunicativo a interação entre artista e público se limita e se torna unidirecional.  Muitos “mestres” cultivam a aura de sua própria elevação. Manter uma percepção crítica em relação a tais atitudes de forma alguma significa desrespeitar as qualidades e o status de uma pessoa que exerce liderança com base em suas realizações. Mas é preciso evitar a santificação e auto-santificação que tornam a vida, a arte e as pessoas falsas e patéticas. É um grande desafio ir fundo na exploração de uma experiência, sem desenvolver uma cegueira para transformação de relações de autoridade em relações autoritárias.
Que experiências em cena você teve como espectador e que realmente contemplaram sua sensibilidade e seu gosto de maneira surpreendente?

Minhas melhores experiências como espectador se deram com a o vigor e precisão de alguns trabalhos do teatro polonês, como por exemplo do diretor Lupa, com as dimensões abissais de alguns representante da dança butoh (Hijikata, Ohno, Tanaka), com a mistura de delicadeza, humor e ritmo em “A Tempestade” de Brook e com a imprevisível performaticidade e poesia nos solos de Maura Baiocchi.
Quais paralelos você traçaria entre o rito de passagem e outras experiências de transformação do ator e da cena no campo da cultura teatral?

Em nosso trabalho é preciso distinguir entre o rito de passagem enquanto tal e de sua aplicação para a criação dramatúrgica. Trata-se de etapas sucessivas de um trabalho complexo, sendo que a primeira é subsidiada pelo levantamento da mitologia pessoal do performer, da formalização do rito num roteiro e de um certo conhecimento de nossa teoria das tensões e da pentamusculatura. A realização rito ocorre sem ensaio e sem repetição. Pessoalmente desconheço trabalhos similares no campo de treinamento de atores, dançarinos e performers, apesar de imaginar que devam existir desenvolvimentos relacionados como p.ex. as ações para-teatrais de Grotovski e no teatro antropológico, mas desconheço os detalhes desses trabalhos.
Passado o RIT.U, para onde vão esses atores? Seguem caminhos próprios ou também se integram ao núcleo do Taanteatro?

Os participantes de Rit.U e do NuTAAN 2010 (Núcleo Taanteatro Formação, Pesquisa e Criação) seguem destinos distintos, mas é recorrente a integração de alguns deles nos projetos da Taanteatro Companhia. Entre o participante de Rit.U selecionamos cinco para a re-encenação de “Artaud – onde deus corre com olhos de uma mulher cega” que faz parte de nossas atividades em 2011, ano que a Taanteatro completa vinte anos de existência.
Celso Araújo